O fantasma que devora nossa criatividade é impiedoso e não procrastina,
quanto mais precisamos dela, mais o fantasma a leva para longe, por
causa disso só escrevo agora quando não puder deixar de faze-lo. Mirando
uma superfície plana e infinita, nesse exato momento, como um vulto de
inspiração no espaço mais escuro que chama a atenção mas não a prende,
cá estou em nada, tentando não sangrar junto com o mundo, a escrever
sobre carne e osso.
Que pode ser mais visceral pra poesia se não a língua?
Que se leva em consideração ao escrever? A emoção do que rima!?
Essa vontade de escrever solto, desprendido de qualquer responsabilidade
literária, foi pra minha vida, o que eu mais desejei pro mundo. Todo
mundo quer paz, todos querem incessante paz mas sem aplicar os métodos
necessários. Chego a ficar sóbrio ao escrever, com medo de imitar a
mídia escrevendo mais uma matéria onde a santa ignorância deixa de ser
uma bênção. E me contento em ficar difuso o resto do tempo.
Queria sofrer um esplendor visionário, mas não consigo, fico pensando em
conflitos armados, bombas, fotos de crianças com rostos marejados.
Assim não consigo escrever um futuro aceitável, mesmo que seja logo ali,
é triste toda essa guerra social dividida em tantas camadas, é de
perder a conta. Queria assunto menos complicado, pelo menos pro poeta,
pelo menos que nem o amor, mas esse por exemplo ficou tão raro. Só
restaria então apelar com poesia recheada de vocabulário que ninguém
conhece, temas batidos, signos, afim de tentar vender uma forma em que
ela consegue ficar atraente, mas eu ainda nem sei se quero escrever
isso, ou se só quero que esse termine logo. A essa altura você pensa que
o autor quer mídia, rodeando pelo texto, deixando algo aberto,
Se mídia for sobretudo inclinar as pessoas a seguirem determinado modelo de pensamento, não quero mídia.
Quero um médio sonho se tornando realidade, quero crer, se for só o que
resta, que o mundo ainda não deu início ao seu ciclo final, que ainda
ainda exista coisas bonitas para os pequenos de amanhã verem. Tive um
sonho e gostaria de compartilhar:
"Eu estava no corpo do meu irmão de 7 anos, sozinho, acordava por baixo
de escombros e muito debilitado, mal tinha força pra tirar uma barra da
ferro que provavelmente sustentava uma parede rústica a pouco. Ao
conseguir levantar, começo a procurar pelos outros na casa, a essa
altura, uma enorme nuvem branca impedia que eu visse qualquer coisa pela
janela, e na parte de dentro daquilo que provavelmente era a minha
casa, estava bem difícil respirar.
Alguns minutos após a nuvem dar uma leve dissipada, consigo chegar até a
rua, vejo algumas manchas de sangue pelo chão, mas nenhum sinal de que
tem alguém por perto.
Ainda não estava assustado o suficiente para deixar de procurar por
alguém vivo, e corri até o fim da rua, tendo que desviar por todo tipo
de coisa que ia de roupas queimadas a pedaços de rocha enormes parecendo
pequenos cometas caídos do céu, ah o céu, estava laranja claro esse dia,
fazendo tudo aqui embaixo parecer mais vermelho.
Após chegar ao fim do terceiro quarteirão que percorri, não restava
duvidas, aquilo era um sonho e eu estava simplesmente sozinho em uma
zona de guerra. Sentei e agarrei os joelhos contra o peito, a essa
altura do sonho eu já deveria ter acordado, mas eu ainda estava ali e
chorei estranhamente, uma dor tão distante de mim, e tão carregada.
Foi quando fechei os olhinhos com cílios duros de poeira e tive uma brevíssima miragem:
Eu ganhara asas do gigante Albatroz,
E voaria como avião pra longe dali,
Reencontrando todos, a mãe e o irmão."
Acordei na minha casa, e quis abraçar cada ser da minha família, um por um. Refleti.
Ah, a poesia quisera ser Alá,
Quisera ser Iemanjá, Quisera ser Deus,
Para tê-lo transformado, aquela criança perdida, num peixinho sírio
Que chegasse saltitante à praia Brasileira.
Ah, a poesia quisera ser um chefe de Estado
Que tivesse alma,
Que retirasse das fronteiras os cães e o arame farpado,
Que poupasse a humanidade desse crime hediondo:
Um menino, reduzido a um corpinho onde a esperança tem gosto de poeira.